Conheça Paulinho Kienby, cria da Boca do Rio que é destaque do beach tennis brasileiro

Conheça Paulinho Kienby, cria da Boca do Rio que é destaque do beach tennis brasileiro

11 de dezembro de 2023 0 Por Marcelo Garcia

Jovem de 20 anos começou no esporte como boleiro e hoje é atleta número um no ranking baiano e quinto no nacional

Fonte: Redação (Boca do Rio Magazine) | Foto: Marina Silva/Correio

O cenário montado com a combinação de sol e areia pode, para muitos, remeter a descanso e diversão. Mas, para Paulinho Kienby, é sinônimo de coisa séria. Desde os 16 anos, é de lá que ele tira o sustento próprio e também o dinheiro que destina aos pais para ajudar a pagar as contas de casa. De boleiro a número um no ranking baiano e cinco no brasileiro, o menino negro que nasceu em São Paulo e cresceu na Boca do Rio, em Salvador, fez do beach tennis a sua praia.

Nem a travessia das bolas de um lado a outro da quadra, impulsionada pelas raquetes, se compara à escalada de Paulinho, hoje com apenas 20 anos. Aos 14, foi campeão baiano na categoria C, seguindo em disparada para B, A e, enfim, a sonhada categoria Profissional. Quando ficou entre os dois melhores nomes do Nordeste, tinha apenas 17 anos.

Tem lugar para mim?
Filho de uma dona de casa e um professor de Matemática, o menino que adotou Salvador como casa aos três anos, via a prática esportiva como um hobby. A mãe já havia jogado vôlei e o pai – que é baiano –, futebol, mas nunca como profissionais. Até que a trajetória do tio, Carlos Axé, virou uma chavinha. Jogador profissional de vôlei, ele chegou perto das Olimpíadas e fez Paulinho também se ver como um possível campeão. Inspirado no tio e em busca de uma carreira, trocou o campo de futebol pelas quadras de vôlei até conhecer, através de um projeto da Prefeitura na orla da Boca do Rio, o tênis.

Paulinho tinha apenas sete anos quando se apaixonou pelo esporte. Rapidamente, começou a se destacar nos torneios e no ranking baiano e, quanto mais crescia, mais sentia o peso da bagagem que carregava nas costas. “O tênis é um esporte muito caro, as raquetes mais acessíveis custavam R$1.500”, conta. Alguns materiais foram adquiridos através de doação, mas as inscrições, passagens e hospedagens para poder disputar as competições ficaram inviáveis.

O desânimo tomou conta do pequeno sonhador, mas logo foi substituído pela esperança. Paulinho chegou ao beach tennis, esse esporte de nome chique que até hoje pouca gente sabe o que é, mas se mostra mais acessível. “No beach tennis você não precisa de um tênis caro ou uma mochila cara, por exemplo, e as raquetes são mais baratas. As mais acessíveis custam R$800, que não é qualquer valor, mas é menor do que o valor das raquetes de tênis”, explica.

“Sempre que pego um uber quando estou com as raquetes, os motoristas perguntam, achando que é de tênis ou frescobol porque realmente nunca ouviram falar de beach tennis. A mesma coisa acontece quando há competições; os trabalhadores do entorno não sabem que esporte está acontecendo ali dentro. Ainda é muito elitizado, coisa de classe alta mesmo; talvez menos do que o tênis, mas ainda assim muito restrito”, acrescenta Paulinho.

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Quantos degraus vou precisar subir?
Paulinho trocou o piso pela areia da Praia de Piatã e rapidamente fez seu nome também no segundo esporte. “No beach tennis encontrei muitas pessoas solidárias, um espírito de coletividade. Muita gente oferecia carona e hospedagem para as competições e também fazíamos vaquinha”, lembra. Hoje, ele conta com a ajuda de patrocinadores e de incentivo para custeio de passagens oferecido pelo Governo do Estado da Bahia. Mas, ainda assim, a conta não fecha.

“Hoje, a nível mundial, você tem 10 atletas masculinos e seis femininos que conseguem viver do beach tennis. Ou outros são professores, exercem outra profissão ou vêm de famílias com muito dinheiro”, conta. É o caso da dupla de Paulinho, que é médico e, por conta da família e dos plantões, não consegue estar em todas as competições. “Eu vou fazendo amizades e me articulando e aí, quando vamos para fora do estado, que a minha dupla não vai, eu colo com outra pessoa por lá”, explica.

Paulinho também está na lista dos que precisam se desdobrar para seguir competindo e, por isso, trabalha desde os 16 anos. Já foi boleiro, ajudante e, hoje, é professor de beach tennis em duas escolinhas de Salvador nos bairros da Boca do Rio e Piatã. De segunda à quinta, assume o papel de professor e, de sexta a domingo, quando acontecem as competições, de atleta.

“É com o dinheiro das aulas que consigo pagar minhas inscrições, custeio das viagens. E também ajudo meus pais com as contas de casa”, diz. Em 2024, ele vai acrescentar mais uma tarefa à agenda semanal: as aulas da faculdade de educação física, que vai iniciar após ter concluído o Ensino Médio para se qualificar ainda mais dentro da área. “Eu sei que é difícil, mas sigo acreditando e dando o meu máximo para conseguir viver como atleta de beach tennis”, diz Paulinho.

Foto: Marina Silva/Correio

Ainda falta grana para que seus pais corujas, que sempre incentivaram o filho, possam assistir às competições fora de Salvador e Região Metropolitana e para o atleta chegar às sonhadas competições internacionais. “Já tive oportunidade de jogar em Portugal, em Aruba e alguns países aqui da América do Sul, mas não tive patrocínio para viajar”, lamenta.

Fazendo o que pode, em 2020 disputou seu primeiro campeonato baiano profissional e já leva consigo cinco títulos, além de duas medalhas de prata e quatro títulos brasileiros. E Paulinho sabe bem que o peso das medalhas que carrega no peito não é o mesmo das medalhas dos seus colegas brancos de sobrenomes de origem europeia. O seu, Kienby, vem de Ruanda, no continente africano, e suas vitórias, vindas após muitos degraus mais, não são individuais.

“Já vivi cenários de enfrentar comentários racistas em competições. Eles falavam ‘saca no neguinho’ ou ‘não vou perder para o neguinho’ e houve até episódios de perseguição. Eu conto nos dedos a quantidade de atletas negros nas competições, a quantidade de atletas negros de referência, a quantidade de negros nas arquibancadas como público. E os negros são aqueles como eu, que vieram de lugares pobres, que entraram no esporte como boleiros e, hoje, como atletas, dão aula para complementar a renda”, finaliza Paulinho.