Demolição de terreiro de candomblé no Alto São João é denunciada como intolerância religiosa

Demolição de terreiro de candomblé no Alto São João é denunciada como intolerância religiosa

10 de junho de 2025 Off Por Marcelo Garcia

Comunidade do Ile Axé Oyá Orira’D contesta ação do governo estadual e afirma ter documentos de posse do terreno

Fonte: Redação (Boca do Rio Magazine) / Foto: Nick Garcia (Boca do Rio Magazine)

A manhã desta segunda-feira (9) foi marcada por tensão e revolta na comunidade do Alto São João, em Pituaçu. Filhos e filhas do terreiro Ile Axé Oyá Orira’D denunciaram a demolição parcial do espaço sagrado por parte do Governo do Estado da Bahia. A ação, realizada nas primeiras horas do dia, ocorreu sem aviso prévio e envolveu o uso de máquinas pesadas.

Segundo a ialorixá Naiara Santos, responsável pelo terreiro, a comunidade possui documentos de posse da terra e vinha dialogando com órgãos do governo estadual em busca de uma solução. Ainda assim, a demolição aconteceu de forma unilateral, sem qualquer decisão judicial apresentada.

“Nós compramos essa terra, comprovamos a compra, temos documentação autenticada e lavrada em cartório. Estávamos em mediação com a SEDUR e outros órgãos do governo. Não houve nenhuma ordem de demolição até então. Pelo que fiquei sabendo, o governo vem com diversos trabalhos dentro de terreiros de candomblé, só que isso não chegou para nós. Muito pelo contrário. A gente é que tem que demolir e sair, como se o nosso sagrado não pudesse ser cultuado aqui dentro”, declarou Naiara.

O episódio gerou forte comoção e indignação na comunidade local, que considera a ação um ato de intolerância religiosa e desrespeito à cultura afro-brasileira. Moradores relatam que o clima no local é de dor e resistência.

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“Eles estão nos dando prazo até 9 de julho pra retirar tudo daqui. Isso é um equívoco, porque não foi essa a tratativa anterior. Com a derrubada, o discurso mudou. A equipe da Casa Civil chegou com arrogância, como se a gente não fosse nada. O INEMA e a PGE estavam presentes, mas a SEPROMI, que deveria defender nossos direitos, não apareceu”, afirmou Gabas Machado, morador da região e integrante do terreiro.

A comunidade afirma que não vai aceitar a destruição do espaço religioso e já iniciou uma campanha para arrecadação de recursos, visando reconstruir o que foi derrubado e garantir a permanência no território. A iniciativa também busca mobilizar apoio de lideranças religiosas, movimentos sociais e da sociedade civil.

“A gente não quer nada de ninguém. Só queremos a nossa terra, pra viver em paz e recolocar o nosso sagrado no lugar. É isso que eu espero agora: uma resposta do Governo do Estado que respeite nossa fé e nossa existência”, completou a ialorixá Naiara.

O que diz o INEMA
Em nota, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), responsável pela gestão do Parque Metropolitano de Pituaçu, afirmou que a área ocupada pelo terreiro corresponde a uma ocupação irregular dentro de uma Unidade de Conservação e que a ação foi necessária para a preservação ambiental.

“A medida, realizada de forma pacífica e pautada pelo diálogo, é necessária para garantir a preservação ambiental de um dos mais importantes fragmentos urbanos de mata atlântica de Salvador, com vegetação nativa em diferentes estágios de regeneração e que abriga espécies da fauna e flora”, diz a nota.

O órgão afirma que acompanha o caso desde dezembro de 2024, quando identificou que o local era uma estrutura “inacabada e abandonada” ocupada por pessoas. Em visita técnica, foram constatados, segundo o Inema, impactos ambientais, como risco de contaminação do solo, descarte irregular de resíduos, uso indevido de recursos naturais e presença em área de preservação permanente (APP).

Ainda de acordo com o Instituto, uma notificação extrajudicial foi enviada em janeiro de 2025 como medida preliminar, e mesmo após a ciência formal do documento, a ocupação foi mantida. O órgão também informou que a área será incorporada ao cronograma do Projeto de Requalificação do Parque de Pituaçu.

A comunidade do Ile Axé Oyá Orira’D diz que seguirá mobilizada e promete recorrer às instâncias legais para garantir a permanência no território. Uma campanha de arrecadação de recursos foi iniciada nas redes sociais.