Especial: Dia da Consciência Negra pelo Olhar da Boca do Rio

Especial: Dia da Consciência Negra pelo Olhar da Boca do Rio

20 de novembro de 2022 0 Por Marcelo Garcia

Por: Pablo Sousa (@pablito.sousa)

Não foi à toa que Caetano Veloso mencionou a Boca do Rio na canção Beleza Pura (1979), já que sua intenção era destacar localidades que tinham a cultura do povo negro em evidência em Salvador. Segundo o censo do IGBE de 2010, a Boca do Rio estava entre os 10 bairros com a maioria da população negra e isso está totalmente ligado a sua história desde os períodos remotos.

Contar a história desse bairro é contar a história do povo negro de Salvador, desde período colonial a presença dessa população sempre foi constante. Porém, o começo não é de se orgulhar, pois os primeiros negros e negras que habitaram essas terras vieram para serem cativos, trabalhando nos engenhos e principalmente na colônia de pesca, criada na orla, para pescar xaréu e a caçar baleias, utilizando as armações como instrumento para tal ação predatória.

É nessa orla, conhecida no passado como Chega Negro, que muitos africanos desembarcaram pela primeira vez em terras brasileiras. Quando o tráfico internacional passou a ser proibido, um dos pontos de desembarque ilegal dos escravizados era essa região, sendo naquela época uma das opções por estar distante do centro de Salvador.

Mas nem tudo foi espinho. Há flores também no caminho. Na medida que escravidão foi oficialmente acabando, este litoral passou a ser uma opção para alguns quilombolas que saiam do Cabula e encontravam aqui uma variedade de peixes, podendo viver da pesca e sustentar as suas famílias. Assim, pouco a pouco esta área afastada do Centro de Salvador foi se destacando principalmente por ter uma população negra que sobrevivia da atividade pesqueira e da produção e venda de vassouras de piaçavas, feitas pelas mulheres, e assim os núcleos habitacionais foram sendo concretizados, por volta do final do século XIX e início do século XX.

A partir da década de 1950, a expansão de Salvador passa a atingir a Boca do Rio com maior intensidade. Loteamentos de terra vão sendo demarcados e ocupações desordenadas cresciam. Parte dos pescadores e suas famílias que viviam na orla, passaram a morar em áreas um pouco mais distantes, a Rua do Caxundé foi um desses locais. As casas de veraneio iam aumentando e adicionando a classe média que passou a dividir os espaços com os primeiros moradores.

No final da década de 1960 a dinâmica do bairro mudou completamente, pois boa parte dos antigos moradores das “invasões” do Bico de Fero (atual Jardim dos Namorados, Pituba) e Ondina (região do antigo hotel Othon) foram remanejados para a Boca do Rio, durante a gestão do então prefeito Antônio Carlos Magalhães (1967-1970). Essa ação visou urbanizar bairros nobres da cidade e atingiu uma população carente, que desde sempre tem a maioria de sua composição étnica, os afrodescendentes que viviam numa cidade muito desigual e com pouca oferta de emprego e moradia. Sair de locais com melhor estrutura e proximidade com o centro da cidade foi um grande desafio que mudou a vida dessas pessoas, pois estavam indo para uma localidade menor e mais distante, até então.

Com o passar dos anos a Boca do Rio foi desenvolvendo mais e mais. As famílias que aqui estavam foram crescendo, os artistas foram chegando, depois o Centro de Convenções da Bahia (1979), o Shopping Aeroclube, tudo isso ajudou até chegar neste grande bairro que temos hoje.

Viver aqui foi sempre um desafio para as pessoas, mas esse desafio foi vencido, seja trabalhando da pesca, do mercando formal e informal, do empreendedorismo, de ações inovadoras, da cultura e educação. E no dia da Consciência Negra precisamos comemorar as vitórias conquistadas e de refletir o que ainda precisamos superar, unidos vamos mais longes, mesmo com as diferenças de credos precisamos entender que nosso bairro abrange os católicos, evangélicos, candomblecistas, umbandistas, espíritas, ateus, agnósticos, abarcando também as nossas distintas comunidades.

Para nortear o nosso futuro precisamos conhecer o nosso passado, valorizar os nossos mais velhos que pavimentaram o caminho que temos que trilhar. Muito obrigado aos pescadores, aos moradores do Bico de Ferro, de Ondina e dos que vieram dos mais diversos cantos de Salvador e da Bahia, vocês foram os responsáveis pela grandeza que somos hoje, povo negro da Boca do Rio.