Pesquisa ouvirá trabalhadores das praias da região da Boca do Rio e outras quatro faixas de praias de Salvador

Pesquisa ouvirá trabalhadores das praias da região da Boca do Rio e outras quatro faixas de praias de Salvador

31 de outubro de 2023 0 Por Marcelo Garcia

Objetivo é escutar 500 trabalhadoras e avaliar efeitos da praia na saúde do ambulante

Fonte: Correio 24h* | Foto: divulgação

O cenário pode até ser paradisíaco, mas a rotina de quem trabalha na praia pouco se assemelha com as belezas da paisagem. Poucos também são os estudos que contemplam essa realidade que, muitas vezes, refletem na saúde do trabalhador. Por isso, o Instituto de Saúde Coletiva (ISC), da UFBA, lançou nesta segunda-feira (30) um questionário para analisar as condições de trabalho e saúde daqueles que tiram sua renda do trabalho nas praias de Salvador.

A equipe do ISC pretende escutar 500 trabalhadoras e trabalhadores, a partir da próxima semana, em cinco faixas de praias urbanas da capital baiana: Boa viagem à Ribeira; Porto ao Cristo da Barra; Sereia de Itapuã ao Farol de Itapuã; Praia de Armação à Praia do Corsário e Tubarão à Praia de São Tomé de Paripe.

Para isso, serão montados postos de atendimento, sempre no meio de cada faixa de praia, onde agentes do ICS vão convocar aleatoriamente trabalhadores que passarem por ela. A entrevista deve durar em média 25 minutos. O objetivo é compreender os aspectos relacionados à rotina de trabalho, histórico de acidentes trabalhistas, qualidade de vida e transtornos mentais que possam estar relacionados ao serviço na praia.

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A pesquisa será realizada entre os meses de novembro de 2023 e março de 2024. Após o levantamento, os pesquisadores querem desenvolver um panorama que ajude a fomentar políticas públicas, capazes de colaborar com o dia a dia de trabalhadores, como do locador de cadeiras e sombreiros, Valnei Cerqueira, 42 anos.

Atuando há 35 anos na praia do Farol da Barra, ele acredita que a saúde mental dos trabalhadores foi a mais prejudicada ao longo dessas décadas. “Antes a gente trabalhava se divertindo, hoje, a gente acumula o estresse de não ter uma estrutura digna de trabalho nas praias, com o preço das mercadorias que andam quase rentes ao nosso lucro, com a violência e a falta de segurança pública”, detalha Valnei, que é proprietário da barraca Fonte do Val.

As dores nas costas provocadas por puxar, diariamente, um carrinho carregado de cadeiras, sombreiros e mesinhas também aparecem todas as manhãs. O sombreiro, que deveria apenas proteger contra o sol forte, pode ser arrastado pelo vento e atingir os trabalhadores, como já aconteceu com Valnei.

Salvador tem cerca de 9,2 mil trabalhadores ambulantes, segundo dados da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), com base no número de pessoas cadastradas para trabalhar nas festas populares de Salvador em 2023 e 2024. A reportagem questionou quantos atuam exclusivamente na praia, mas não houve retorno até a publicação desta matéria.

Segundo a vendedora de acarajé Monique Macedo, 30 anos, quem precisa escolher a faixa de areia como ambiente de trabalho pode chegar a trabalhar pelo menos quatro horas a mais do que alguém que atua com carteira assinada. No caso dela, que trabalha no Farol da Barra há 12 anos, a rotina começa às 7h da manhã e já chegou a terminar às 19h. Isso sem horário de almoço definido, muito menos de descanso.

“Ao mesmo tempo que está o Sol, também chove. A gente também acaba tomando água gelada e, muitas vezes, ficamos com a garganta inflamada por causa do choque térmico. Um espaço com mais proteção, onde pudéssemos colocar uma cadeira mais confortável e com mais espaço para armazenar as mercadorias aliviaria muito esses estresses”, afirma Monique.

Na tentativa de proteger os pés da alta temperatura da areia e até da urina que excede de banheiros químicos e escorre pela rampa de acesso à praia do Farol da Barra, a vendedora de bebidas e locadora de sombreiros e cadeiras, Adelma Santos, 43 anos, não abre mão de chinelos ou sapatilhas para trabalhar.

São truques como esse que aliviam a rotina pesada. “Não tenho nenhuma queimadura séria porque estou sempre me protegendo, usando camisa UV [com proteção solar], protetor [solar] e chapéu de palha grande”, conta Adelma, que trabalha há 19 anos na praia e é mais conhecida como Ninha.

Segundo o pesquisador Cleber Cremonese, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, essas são realidades que muitas pessoas conhecem, mas que precisam de estudos que identifiquem os seus causadores para modificar a realidade.

“Os trabalhadores informais tendem a enfrentar mais desafios que estão ligados a inúmeros fatores, é descobrindo mais sobre eles que vamos conseguir contribuir para melhorar alguns deles”, almeja o pesquisador.

A ação integra o projeto “Perfil epidemiológico e caracterização das doenças, acidentes e agravos em trabalhadoras e trabalhadores de praias em Salvador/BA”.